Fui visitar minha filha que fazia faculdade de Medicina em Salvador, Bahia, e na mesma época eu estudava psicanálise que me deixou bem mais encantada com o caminho do autoconhecimento e desejava que todos trilhassem o seu.
Descendo pelo elevador – eu na qualidade de “grilo falante” e ela com toda paciência e elegância que lhe são peculiares como “grilo ouvinte” – de repente fiquei em silêncio, pois deparei-me com uma mensagem da administração do condomínio aos moradores daquele prédio.
Como amante da leitura que sou, fiquei por alguns minutos lendo o texto que dizia o seguinte: “Parabenizo a família tal por ter utilizado o salão de festas e ter cumprido a normas de: respeitar horário, entregar o referido salão limpo e em ordem, e tocar a música na festa de modo que não atrapalhe os outros moradores.”
No primeiro momento achei linda a atitude, afinal, elogiar sempre faz bem a quem recebe o elogio e a quem faz.
Mas depois pensei: “Que coisa ridícula parabenizar alguém que segue as regras? Ora, quem vive em sociedade tem regras e normas e precisa e deve cumpri-las se deseja viver em harmonia”.
E logo vieram as indagações de uma pessoa, que ao longo de sua vida, busca entender o ser humano começando entendendo a si próprio: “Elogiar quem fez nada mais que sua obrigação? Quem foi no mínimo educado? Ser premiado por ter cumprido as regras do salão de festas?”
Uma vez, eu estava num grupo de pessoas com mais idade do que eu. Elas ressaltavam suas qualidades, ao mesmo tempo que eu dizia – no auge dos meus 17 anos – que uma das minhas qualidades era pagar as contas em dia. E um senhor de cabelos brancos, que sabia apreciar vinho como ninguém, disse-me: “Olha, aprenda uma coisa… honrar seus compromissos não é qualidade, mas sim, uma obrigação. Nunca se auto elogie por isso. Você apenas cumpre seu dever de cidadã!”
Depois do ocorrido, passei a ver determinadas ações dessa forma. Existem coisas que só pelo fato de você ser humano e “aparentemente normal”, deve cumpri-las, como por exemplo, a regra de um condomínio.
E quando li aquele aviso no elevador, me deparei com outras questões: o homem está conectado com o mundo através das redes sociais, porém, tem dificuldade para se conectar com quem está próximo. Que comportamento é esse de pessoas que acham que estão acima do bem e do mal, alheias a tudo o que se passa ao seu redor, infringindo leis, vivendo como se o mundo se resumisse em sua própria pessoa?
Como tudo ficou relativo neste mundo, aquele velho ditado: “A liberdade de cada um termina onde começa a liberdade do outro”, do filósofo Herbert Spencer, deixou de fazer efeito?
Viver em comunidade exige elegância, generosidade, empatia, humildade e bom caráter. Quem não dispõe dessas qualidades, esquece a base do ser humano e há de se dizer que as qualidades vêm da alma e para mudar, há de se purificar a alma.
Eu sei que vocês poderão dizer: já são tão poucas ações assim, que talvez seja melhor elogiar mesmo, a fim de aparecem outras pessoas fazendo o mesmo. Mas eu lamento muito que esse seja um dos objetivos.
Lembrei-me da história de um jovem que entregou ao dono um dinheiro que encontrou e os repórteres lhes disseram: “Que atitude nobre”! E ele respondeu: “Nobreza, entregar algo que não é meu? Fico surpreso com essas perguntas. Aprendi isso com minha mãe, que lavava roupas para mulheres ricas e entregava tudo que encontrava nos bolsos. Nunca foi remunerada pelo gesto, pois entendia que não fazia nada mais que sua obrigação”.
Agora a minha história: fui vítima (ou bandida, não sei), quando perdi meu celular e um jovem o encontrou. Fui falar com ele que me pediu desculpas por ter demorado para me avisar que o havia encontrado. Assim que recebi o aparelho, agradeci e lhe ofereci dinheiro pelo gesto. Mas ele me disse: “A senhora está admirada que no mundo exista alguém que faça isso? Fique com seu dinheiro, madame. Eu não fiz nada mais que minha obrigação”.
Creio que naquele dia entendi o ditado “se um buraco se abrisse na minha frente…” bem, hoje eu não estaria aqui escrevendo neste blog!
8 Comments
Ainda prezo muito aquele ditado “ Educação vem de berço “; e cabe às famílias educarem seus filhos também pelos bons exemplos , para viverem /conviverem em uma sociedade mais humana .
Meire eu acho que as pessoas confundem muito a educação de berço e a formal. As maiores brigas acontecem por questões de educação doméstica.
Muito legal esse texto
Olá Monica senti sua falta. Que bom que gostou!!
Bela reflexão, valores são fundamentais. Sempre bom fazer a diferença!
“ Você nuca sabe que resultados virão da sua ação. Mas se você não fizer nada, não existirão resultados.” Mahtma Gandhi
Muito obrigada pela reflexão que você me proporcionou também.
Infelizmente vivemos em um mundo onde cada dia mais a honra, os deveres básicos estão cada vez mais raros… Onde fazer o bem é raro, e fazer o mau é o normal, valores que não precisam de condições financeiras elevadas para terem, vem de criação, de educação, quem vive isolados em suas roças, povoados, longe de celulares e toda a tecnologia do mundo moderno e seus parâmetros sociais, são aqueles que mais cultivam os bons modos da educação, da honestidade e dos bons valores, apesar de estarem atrasados tecnologicamente, estão muito a frente em questão de humanidade.
Rodrigo eu concordo com você. Parece que quanto mais estuda e aprende esquece os valores e a ética correta.