Hoje apresento uma das histórias de Vanderléia, que é daquelas amigas que não medem esforços para cuidar de quem ama. Ela é amiga, como diz o dito popular, “até debaixo d’água.”
“Perdi meu avô no ano de 1.984, mas ele ainda era muito jovem, apenas 56 anos, e foi assassinado por desavenças de família. Meu primeiro contato com um cemitério foi no dia de seu velório, quando fiquei indignada e perguntei à minha mãe: “Como poderia colocar um caixão tão lindo embaixo da terra?”. A resposta não me deixou satisfeita, muito menos me convenceu e enquanto o coveiro, padre, familiares e amigos terminavam a cerimônia do funeral, resolvi dar uma volta e gostei do que vi. Não fiquei com medo e nem assustada.
Em 1.986 quando fui visitar o túmulo dele, resolvi dar uma volta e visitar outros túmulos. Acendi algumas velas em todos que visitei. Depois disso, visitar cemitérios passou a fazer parte de meus passeios rotineiros, inclusive, levava amigos que também acabavam gostando do inusitado programa.
Um dia estava com uma amiga no cemitério e resolvemos fazer algumas fotos. Pegamos algumas cruzes quando de repente, uma voz forte gritou meu nome: “Vanderléia!”.
Meu susto foi grande! Pensei: “Quem será? Seria alguém reclamando que peguei a cruz?” Mas era o coveiro, soltando fumaça pelas ventas, como se fala na Bahia. E ele gritava: “Devolvam as cruzes agora!” E nós, muito afoitas e nervosas, não sabíamos mais de qual túmulo era cada cruz, tanto que precisou nos ajudar a colocar uma a uma em seu devido lugar.
Prometemos ao coveiro nunca mais voltarmos ao cemitério. Só que logo no outro dia a promessa foi quebrada. Entrei em silêncio, mas logo recebi um chamado. Era ele, o coveiro, que não me deixava em paz, mas antes que ele começasse o sermão, eu lhe disse: “Senhor, não irei mexer nas cruzes! Hoje vim aqui só para falar com meu vovô”. Ele ficou emocionado e me liberou.
Acontece que havia um túmulo de um homem muito poderoso da cidade, com um Cristo sentado, e em seu colo dava para bater uma bela foto. Eu e minha amiga não resistimos. Voltamos em outro dia e batemos a foto, com muito respeito, depois lavamos a estátua, fizemos uma oração ao cidadão que estava enterrado e o agradecemos.
Aos 20 anos tive um grave problema de saúde, um aneurisma, e fazendo a cirurgia teria 10% de chance de sobreviver. Meu pai tomou uma sábia decisão de que eu não iria operar e minha mãe, a segunda decisão tão sábia quanto à dele. Disse que ninguém mais iria me incomodar ou me fazer passar raiva, para que vivesse muito tempo ainda. E pronto! Depois dessas decisões, o gosto por cemitérios virou paixão. Afinal, pensava eu, essa será minha última morada.
Minhas visitas passaram a ter outro sentido. Comecei a fazer alguns questionamentos: “Porque será que colocam muros nos cemitérios? Quem está dentro não pode sair e quem está fora não quer entrar! Um desperdício de material e uma grande idiotice.”
Gosto de ler lápides e uma, em especial, me fez refletir muito. Estava no túmulo de uma bebê e dizia: “Quando eu nasci todos riam e eu chorava. Quando morri todos choravam e eu ria”.
Passei a fazer visitas ao cemitério sempre com amigos e amigas até as 18 horas, porque depois fechavam as portas e tinha que pular o muro. Dava um trabalho danado para saltar. Continuava batendo fotos e colocava água nas flores. Alguns vasos que estavam caídos eram arrumados, velas eram acesas, mas sempre pedindo licença ao defunto, chamando pelo nome inclusive, para evitar tristezas ou problemas.
Observei também que o defunto rico só recebe visita em dia de finados, já o pobre não, ele recebe uma, duas vezes ou mais durante o ano.
Alguns amigos que tem medo me perguntam: “E se algum deles tocar em seu pé?” Eu respondo: “ Vou dizer à eles: opa, este é meu pé e o seu está lá embaixo.” E dou risadas.
Visito todo tipo de cemitério e em todos é a mesma vibração. Do pequeno e simples cemitério da Chapada Diamantina até os mais chiques como o de Buenos Aires. Consigo sentir a energia de quem ainda está lá e também de quem já foi. Essa visita faz parte do meu roteiro de passeios quando viajo.
Se alguém ainda não foi, vá e observe a escultura, a arquitetura e as lápides, pois é muita aprendizagem, além do silêncio absoluto que nos faz muito bem. Eu creio que algumas almas já não estão mais lá e foram reencarnadas, mas outras ainda estão presentes precisando de oração.
Nunca fiz ousadia no cemitério e respeito quem está descansando. Acendo vela no cruzeiro, chamo pelo nome, converso com eles…tudo com muito carinho.
No dia 2 de novembro eu e meus filhos nos preparamos para irmos ao cemitério como se fossemos à uma festa reverenciar quem já se foi, para orar e agradecer. Tudo num clima de muita seriedade e formalidade, afinal, um dia eu estarei nele, morando por um tempo.”
Vanderléia é assim: suas histórias são recheadas de humor e de autenticidade. Ela aprendeu há muito tempo apertar o botão do “foda-se” e por isso, é tão original e encanta todos a sua volta. Eu mesma, quando a ponta da tristeza quer bater a porta de minha alma, chamo por Léia e dou muitas risadas. A tristeza desaparece, ou melhor, penso que ela se transforma em alegria.
Quem tem uma amiga assim? Vamos divulgar? Vamos povoar o mundo de risos, não custa nada! E o benefício é muito precioso!
15 Comments
Amiga amei o final , essa sou eu “ bem louca” mas com muita vida pela frente e uma vontade louca de viver . Amo vc Roseli com toda minha .
Amiga muito obrigada por dividir sua vida comigo e com Marcia (ela morre de inveja se esqueço dela). Gosto do seu jeito de ser e como queria mais pessoas assim. Te amo
Já conhecia a história contada por ela mesmo, Léia uma pessoa iluminada,alegre ,amiga e de uma autenticidade admirável ,e cemitérios sempre nos fazem refletir sobre a vida ,e cada lápide desperta um questionamento sobre como foi a vida de quem se encontra ali ,em sua última morada .
Lucia como não contar as pessoas as histórias desta mulher?? ri muito mas refleti também.
É lindo de ver a diversidade das Pessoas, ver arte e paz onde para outros é apenas sombra e tristeza
Rodrigo como a gente aprende né?? muito bom!! e sei que você é um terno aprendiz na força da palavra.
É a vida é cheia de belezas que poucos tem o privilégio de admirar…
Conhecendo a leia tenho certeza que essa história eh verdade.
Aliás essa história, só podia ser dela! Mulher de fibra, dona de si!!!
Beijos com saudade ‘tia leia’
Fernanda essa tia Léia é um caso sério….
Pessoa iluminada, espontânea, autêntica e feliz!
Toinha uma pessoa muito linda e especial.
Bem inusitado mesmo esse gosto! Hahaha
Léia, sempre alegre.
Achei legal a autenticidade dela em contar uma peculiaridade sem se importar com a opinião da maioria que detesta cemitério. Realmente alguns cemitérios têm belas lápides e em relação às pessoas mais pobres é impressionante a preocupação delas com o ritual funerário ,O meu filho me falou que as vezes elas deixam de pagar um plano de saúde mas não deixam de pagar a própria cova…..Muito interessante a história
Monica, muito interessante a forma diferente de como as pessoas veem a mesma coisa, mas o bacana é essa pluralidade.
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